O mau Inglês no ensino em Portugal...

Outro dia, a propósito das perguntas da prova de físico-química de 9º Ano e das respectivas críticas à mesma, lembrei-me de ir desenterrar mortos. Lembrei-me de uma certa prova de Inglês... A 650, do ano de 2005. A dada altura da prova, aparece a seguinte pergunta:


Ora bem. Na altura, isto deu-me uma volta tal ao cérebro que precisei de, sensivelmente, meia hora para descortinar o que se queria com isto. Devo de admitir que ao fim desse tempo ainda não tinha resposta convincente. Em desespero de causa, fiz o que nunca se deve fazer, traduzir a pergunta. Maravilhas das maravilhas, eis que tudo passou a fazer sentido. Agora finalmente conseguia perceber o que é que a criatura que fez esta prova queria. Afinal o que se queria era o tempo dos verbos. Pois bem, pena é que se tenha confundido tempo com tempo verbal, que em Inglês, qualquer beginner sabe que são duas coisas completamente diferentes. Há o time e depois há os tenses. Só o segundo é que se refere à questão gramatical em causa sendo que o primeiro se refere a horas e afins.

De facto, traduzindo a frase ficamos com: "Leia as linhas 10/11 e identifique o TEMPO do verbo a que todas as três seguintes formas verbais se referem". Pois, pena é isto ser uma prova de Inglês e não de tradução de Inglês. Em Inglês, a pergunta teria de ser ligeiramente, só um bocadinho, diferente. Isto é como quem diz, bastaria perguntar simplesmente "Identify the tenses of the following verbs?". Infelizmente, a complexidade desta simples frase era demais para a mente que fez a prova.

Até se poderia pensar que seria outra coisa qualquer, mas não. Repare-se nos critérios de correcção:


Aparentemente, era mesmo os tempos, os tenses, portanto, que se queria. Na altura até fiquei a pensar que o defeito era meu mas, depois de mostrar esta prova a ingleses e americanos, ambos me disseram que não conseguiam perceber metade do que se queria lá. Fiquei logo mais aliviado. Afinal, o problema não era mesmo meu ou, se calhar, era mesmo. Se calhar o problema está em ter aprendido Inglês cedo demais tal como uma qualquer criança britânica, americana, canadiana e por fora. Se calhar, para perceber o Inglês destas provas, por vezes é preciso ter andado, unicamente, na escola pública portuguesa e ter tido professores que ensinam que white se lê "uíte" e não "uáite".

Quero eu com isto tudo dizer o quê? Ora bem, em primeiro lugar, este problema de más provas, sejam elas de que ano forem ou de que área forem, não é de agora. Já vem de trás. Em segundo lugar, quero dizer, e respeitante à minha área de trabalho, que, embora haja bons professores de Língua Inglesa na escola pública portuguesa, há uma enormidade de gente que devia estar a aprender Inglês e não a ensiná-lo. São estes, infelizmente, que dão cabo de todo o trabalho dos bons.

Para minha infelicidade, talvez, reparo nas gravíssimas falhas dos professores quando lhes dou formação. Ainda bem que são parcas as vezes que o faço porque, caso contrário, correria o risco de ficar deprimido tal é o desconhecimento em certos casos. Lembro-me de um caso em particular. Cai-me nas mãos, uma senhora que precisava de umas aulas de "refrescamento", ou assim fui informado. Quando dei por mim e sem dar conta, estava a dar o verbo "To be" no Simple Present.

Pelos bons professores que há, importa que se trate de limpar o sistema dos maus. Limpar não implica obviamente e unicamente apresentar de forma automática a porta da rua às pessoas. Até porque há muitos que podem ser "salvos". Importa é que se lhes diga claramente que, se têm vontade e gosto pelo ensino, têm de melhorar o seu nível de conhecimentos. Os que estão na profissão por gosto e vontade de ensinar, tenho a certeza que não hesitarão em fazer isso para depois serem recompensados com melhores resultados e elogios de pais e alunos. Sim, elogios de pais e alunos. É que, como em todo o lado, há os bons e os maus. Ao contrário do que uma certa ADD quer fazer crer, nem tudo são rosas mas nem tudo são silvas também.

O problema é que, por alguma razão que eu prefiro não especular, anda-se há anos a tapar o Sol com a peneira, atirando as culpas para todos os lados menos para os lados que se deve. A culpa é sempre de pais, alunos ou do governo. Nunca ouvi da parte dos profissionais de ensino dizer que há um problema nos manuais e em alguns professores e só poucas vezes ouvi falar nos programas (os quais são perfeitamente estupidificantes mas fico com a sensação que quase todos os seguem sem piar; quando muito, fazem um encolher de ombros). Também nunca ouvi dizer que Portugal tem um sério problema de qualidade no Ensino Superior ao nível de quem lá lecciona e, tristemente, tem mesmo.

Enquanto se insistir e se querer fazer acreditar que os professores são todos bons, acima de todas as críticas e vitimas de um sistema que, pela própria inércia dos profissionais do ensino, eles próprios ajudaram a criar, o ensino não melhorará.

Esperar que as mudanças venham do ME é irrealista, senão mesmo, utópico. O ME vive do mostrar trabalho aos eleitores. O ME "tem" de trabalhar para os eleitores no seu geral e não, apenas para uma parte deles (os professores). Acreditar que o ME terá força para fazer as mudanças necessárias contra a inércia e pasmaceira da sociedade em geral e o querer manter o status quo dos trabalhadores do sistema de ensino é esperar que Cristo desça novamente à Terra.

Para as coisas mudarem é preciso que haja uma verdadeira vontade de mudar e isso tem de começar a partir de quem está no terreno todos os dias. Greves e manifestações? Pois certamente mas para exigir exigência e não apenas para lutar por privilégios perdidos (tenham eles sido merecidos ou não).

Penso que seria bem melhor para todos que não víssemos mais provas de 9º Ano como as que vimos e que erros tão infantis como estes que mostrei na prova de Inglês. Eu prezo pelo meu futuro e pela qualidade do meu trabalho. Seria bom que mais o fizessem em vez de encolher os ombros e olhar para o lado. Queremos ser tratados com respeito e prestigio merecidos? Tratemos de o merecer então.

É que ainda hoje*, reparei que um dos meus "pupilos" está sem aulas de Inglês faz três semanas. Quando começou a faltar, ainda nem metade do livro tinha dado. Entretanto faltou e continua a faltar e já estamos no final do ano. Assim não pode ser. Não quero ofender ninguém mas passo bem sem colegas destes e penso que a profissão também. Infelizmente, casos destes não são únicos. Eu diria mesmo que são, estranhamente, vulgares.

*Nota: o "hoje" refere-se à data em que escrevi o post e não à sua data de publicação.

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