Somos um país de poetas e etimologistas


Aqui há uns tempos, publiquei um post sobre o mal de Portugal serem os próprios portugueses. Hoje venho desenvolver aqui mais um bocadinho o tema.

Portugal tem, desde há décadas (senão séculos mesmo) problemas sérios para resolver os quais continuam, hoje em dia, a estarem mal resolvidos ou simplesmente por resolver. Resta perguntar porquê. Afinal de contas os diagnósticos já estão feitos há muito. Já todos sabemos onde estão os problemas ou, pelo menos, parte deles.

Então, se já se sabe isto, porque não se resolvem as coisas? Simples, porque somos um país de poetas e etimologistas. Somos um país que se preocupa apenas com a forma das coisas e não a substância das coisas. Preocupamo-nos com o que é acessório e não com o essencial. E isto acontece em tudo. O caso mais flagrante é o caso do futebol, algo completamente acessório à sobrevivência e vivência de cada dia mas que, no entanto, ocupa tempos infinitos da vida do país e que se sobrepõe a tudo. Chega-se mesmo ao cumulo de se interromper programas só para dizer que um treinador qualquer chegou não sei aonde.

Mas mais casos há. Na educação temos a ADD. Os problemas neste sector são muitos e já todos sabem quais são há muito. Contudo, foi preciso a ADD para se falar neles e, rapidamente, se deixou de falar em qualquer outra coisa que não a ADD. De repente, os únicos problemas da educação e dos professores eram a progressão na carreira e a ADD. Manuais de treta, programas ridículos e estupidificantes, falta de condições nas escolas, etc... Tudo desapareceu. A ADD era a fonte de todos os males.

Mais recentemente é a catadupa de casos mediáticos da justiça a que nada levam. Nunca há culpados e perdem-se horas a falar da vida das pessoas, dos meandros da justiça e tudo o mais. Chega-se ao cumulo de haver até comissões parlamentares que dizem que houve corrupção mas não houve corruptos.

Agora é o caso do casamento de pessoas do mesmo sexo. O que se discute afinal? Se aquilo deve ser chamado casamento ou vrenhak. Mais claro que isto não podia ser o caso do projecto de lei do PSD. O resultado deste projecto será o mesmo do do PS, só que um chama-lhe casamento e outro chama-lhe união civil registada. Um altera uma lei existente, outro cria uma coisa nova igual à outra que já existe.

Enfim, andamos a perder tempo a discutir o que chamar às coisas. Andamos a perder tempo a arranjar discutir semântica. Andamos a perder tempo a fazer belos discursos ao país sobre o estado da nação e sobre os males que afligem o país. Andamos a perder tempo a falar dos casos da justiça sem que, no entanto, isso possa levar a algum lado pois quem decide as coisas são os tribunais e não os jornalistas e os telespectadores. Andamos a discutir se o jogador A, B ou C vai para este ou para aquele clube enquanto os clubes se afundam em dívidas e os males do país ficam por resolver.

Em vez de se perder tempo a fazer, perdemos tempo a falar e a escrever relatórios e discursos bonitos. Somos um país de poetas que só está interessado em falar e usar linguagem bonita para inglês ver. Somos um país de etimologistas que se preocupa mais com o que chamar ao quê em vez de se fazer o que é preciso. Se ao menos isto se traduzisse numa excelente literatura moderna e prémios atrás de prémios internacionais e um povo com uma literatura invejável... Mas não. Temos um povo analfabeto que mal sabe ler quanto mais escrever. Um povo que não se defende, um povo que é levado por "palavras apetrechadas de asas" (Homero, Odisseia).

Enfim, o problema é mesmo não se fazer nada e andarmos todos a viver uma bela telenovela ou conto de fadas que um dia acabará numa hecatombe. Só que aqui, as reses sacrificadas serão os próprios portugueses.

2 comments:

Gorete said...

Também penso dessa forma.

Elenáro said...

O problema é que somos demasiado poucos para derrotar a inercia e hábitos nacionais.

Temo que quando houver um acordar para o caso a nível nacional seja já tarde demais.