O ser humano, o Português, sobretudo, é uma criatura interessante. É um ser que gosta de julgar e opiniar sobre tudo e sobre nada, especialmente quando é sobre a vida alheia. E depois, como se não bastasse andarem sempre a meter-se na casa do vizinho, ainda se acham no direito de julgar tudo o que o vizinho faz.
O engraçado é como hoje tudo é julgado e qualificado. É tudo muito relativo e depende de quem faça o quê. Nem todos podem fazer tudo e o que é "socialmente" reprovável para uns, é "socialmente" permitido e, por vezes, até louvável para outros.
Reparem bem, se eu, homem, andasse sempre com uma mulher diferente todos os dias, era um garanhão, tinha vigor sexual e isso é o que se quer. Portanto, comportamento altamente louvável. Por outro lado, se fosse uma mulher a fazer o mesmo, isto é, a andar com um homem todos os dias, seria imediatamente classificada como puta (peço desculpa pela linguagem mas hoje apetece-me chamar os bois pelos nomes), uma autêntica vadia que devia era casar e ter filhos. Portanto, comportamento altamente reprovável, em tempos daria lugar a um auto-de-fé e ainda há sítios em que tal acontece.
Isto leva-nos a outro julgamento bastante interessante. Reparem que uma mulher solteira, a viver por conta própria, é uma mulher independente, uma verdadeira senhora com garra. Já se for o mesmo mas com um homem, solteiro e a viver sozinho, a primeira coisa que se pensa é que o gajo é gay.
E assim caímos ainda noutra interessante análise. Duas mulheres aos beijos, é socialmente aceitável, ao ponto de ser o desejo de muito heterossexual por aí, os quais venderiam a alma ao diabo para poder ter uma experiência dessas. Dois homens aos beijos, cruzes credo, vade retro Satana! Dois paneleiros que deviam ser enforcados ali logo no lugar, sem dó nem piedade e da maneira mais horrenda possível. No seguimento disto, chegamos a outro caso interessante: duas mulheres, a viverem sozinhas, são colegas de quarto; dois homens são gays.
E podia continuar mas destes exemplos fico-me aqui. Podia-se pensar que é só em casos destes que se fazem estes julgamentos idiotas sobre a vida alheia. Mas não, não é. Isto acontece em tudo na vida desde estes exemplo até aos nossos próprios hobbies, passatempos.
Quem gosta de ler, escrever, pintar é culto. Quem gosta de ir para o café é preguiçoso e boémio. Homem que leia um desportivo é macho. Homem que leia uma revista cor-de-rosa é gay (não sei se já reparam na obsessão que a sociedade tem pela homossexualidade). Adulto que goste de ir ao cinema com os amigos é normal. Adulto que goste de jogar jogos de computador com os amigos é infantil. Homem que goste de jogar futebol é macho. Mulher que o faça, passa a ser mais homem que mulher. Mulher que pratique ballet é de elite. Homem que pratique ballet é, no mínimo, estranho mas geralmente chama-se-lhe logo paneleiro (cá está outra vez) que é para evitar mais assunto. Uma pessoa com 1000 amigos no Facebook é altamente social e sociável. Torna-se importante e desejável ter alguém assim na nossa lista. Alguém com 20 amigos no Facebook é anti-social. Algo de estranho deve de haver com essa pessoa. Música clássica é cultura. Música popular é pimbalhada. Um filme de Manoel de Oliveira é arte. Um filme do Michael Bay é entretenimento.
Enfim, coisas muito interessantes estas. Denotam um embrutecimento intelectual massivo da sociedade. Uma sociedade mesquinha que não é capaz de ver para além do seu nariz e que se acha no direito e dever, por vezes, de julgar aquilo que os outros fazem. Que é incapaz de aceitar que nem todos gostamos do mesmo e não é por isso que somos mais estúpidos ou mais inteligentes. E com isto andamos sempre a chatearmo-nos por coisas sem sentido nenhum e perfeitamente insignificantes. Pior, enquanto perdemos tempo a ver e pensar no que o vizinho, colega do lado ou seja quem for anda ou vai fazer, perdemos tempo nós de fazer qualquer coisa de útil na nossa vida ou pelo menos ver como está a nossa vida. Mas ao fim e ao cabo, o importante é que nós digamos aos outros como devem ser. O nós sermos ou não aquilo que queremos que os outros sejam, é já irrelevante. O importante é que os outros adiram às normas.
Se, de facto, as pessoas olhassem mais para o seu rabo e menos para o rabo do vizinho, se olhassem mais para o que andam a fazer em vez de se preocuparem com o que os outros andam a fazer seriamos todos mais felizes. É que se fosse para ajudar ainda era perfeitamente compreensível e louvável. Quando são precisos os amigos, raros são os que lá estão. É que ajudar alguém dá muito trabalho e implica que, no final, eles possam ficar melhor do que nós e isso ninguém quer. É uma treta de social. Antes de se julgar os outros, antes de se dizer que algo é bom ou mau, que algo deve ser assim ou assado na vida dos outros, talvez fosse bom que as pessoas olhassem melhor para as suas vidas antes de falarem na dos outros. Melhor, melhor seria apenas se as pessoas se pusessem na sua vida e deixassem a dos outros para os outros.
E acabou a onda de mau feitio por hoje.