Portugal, país sui generis, sofreu ao nível das necessidades educativas uma profunda transformação. No passado, qualquer pessoa, com ou sem formação, estava habilitada a desempenhar uma tarefa. Tudo dependia da sua capacidade para a fazer a qual era avaliada a "olhometro" pela entidade empregadora. Qualquer pessoa com a 4ª Classe podia chegar a dirigir uma empresa se trabalhasse e provasse ser capaz.
Pelo contrário, hoje em dia, temos o oposto. Para se desempenhar a mais ridícula das funções é preciso ter um curso qualquer. Com Bolonha, caímos no ridículo de pedir Mestres para desempenharem funções de técnicos especializados. Isto é, está-se a cair na banalização do superior. Até aqui banalizamos as licenciaturas. Com Bolonha, banalizamos os Mestrados. O próximo passo é criar uma coisa qualquer para que todos sejam Doutorados.
Anda toda a gente a vender falsas expectativas aos jovens e aos seus pais. Entramos na loucura de pensar que todos têm de ser "doutores" para arranjarem emprego ou para serem alguém na vida. Abrem-se múltiplos cursos para tudo e mais alguma coisa. Há quem lhe chame "especialização". Pois bem, que se chame isso. Um país precisa de gente bem formada e com boas especializações. O que o país não precisa é de uma massificação do ensino superior onde passamos da premissa de inicial para outra onde para se ser operador(a) de caixa num qualquer hipermercado é preciso ter uma licenciatura ou mestrado.
O interessante é que, quem tem como função olhar para estes assuntos, já sabe muito bem isto que eu acabei de dizer. Até aqui nada de novo. Então, importa perguntar porque é que não se faz nada para inverter isto? Pois, aqui é que a porca torce o rabo. Não se muda pois há tachos a manter. Uma revolução e racionalização dos recursos educativos face às necessidades do país levaria à redução drástica no número de licenciaturas e seus numerus clausus. Poderia levar mesmo ao encerramento ou fusão de muitas Universidades, Institutos e Escolas Superiores. Como consequência, muitos teriam de ir fazer pela vida noutro lado. Como isso é, no mínimo incómodo, mantém tudo na mesma e continua-se a alimentar a crença dos portugueses que um filho licenciado é que bom e a inveja típica portuguesa; "se o teu filho é licenciado o meu há-de ser mestre".
Enquanto mantemos a preço de ouro os tachos de muitos, pagamos todos com um país atrasado e parado. O país não tem mercado de trabalho capaz de absorver tanta formação. É que, se por um lado "vendemos" licenciaturas, por outro vendemos uma economia assente em "baixos salários". Estas duas coisas são inversamente proporcionais. Se temos muitos licenciados, temos de ter salários altos e não baixos e vice-versa. Resultado, andamos a formar quadros para serem sub-aproveitados ou para irem desenvolver outros países.
Em suma, passamos de uma situação em que qualquer trolha pode ser engenheiro para uma em que para se ser trolha é preciso ser-se engenheiro. Com esta irracionalidade na gestão de recursos do país, quer seja para ganhar votos, alimentar tachos ou apenas para estrangeiro ver, andamos agora a pagar a factura. Pena que, à boa maneira portuguesa se acredite ainda que é possível gastar mal eternamente sem nunca pagar o preço.
2 comments:
Completamente de acordo. Portugal é o país dos desequilíbrios, do oito ou oitenta.
E é certo que já estamos a pagar os exageros do passado. E que pagaremos os exageros do presente... que coisa ridícula e despropositada esta insistência no TGV!
Beijos
O TGV é um projecto necessário. A questão não é se precisamos do TGV mas sim como fazê-lo, Anabela.
As obras públicas em Portugal desde que entrámos para a UE (então CEE), são feitas para sustentar os amigos. Quando elas forem feitas também para servirem um propósito nacional para além dos tachos andaremos para a frente.
Mas não nos enganemos, o TGV é necessário. Aliás, esta história de não se querer fazer o TGV relembra-me as oposições ao caminho-de-ferro em Portugal nos fins do séc XIX e inícios do séc. XX. 100 anos depois ainda não completamos a rede ferroviária nacional e, pior, já pensamos em cortá-la.
Para não variar, numa altura que todos apostam nesta tecnologia, nós queremos ser mais inteligentes e dizemos que ela não nos serve.
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